domingo, 20 de fevereiro de 2011

Breve Resumo da Acção

Um grupo de populares manifesta o seu descontentamento, nas ruas de Lisboa, face à miséria em que vive.

Um Antigo Soldado, que se encontra junto do grupo, refere a figura do General Gomes Freire de Andrade como homem generoso e amigo do povo. Vicente, embora seja um elemento do povo, discorda das palavras daquele e tece comentários desfavoráveis acerca do general.

A chegada da polícia vem pôr termo a esta discussão, provocando a dispersão dos presentes.

Vicente é levado pelos dois polícias à presença de D. Miguel Forjaz, um dos três governadores do reino. Vicente, tornando-se traidor da sua classe, aceita desempenhar o papel de delator e denunciar os nomes daqueles que conspiram contra o reino.
Os governadores, D. Miguel, Principal Sousa e Beresford, tentam a todo o custo encontrar o nome de um responsável pela conspiração, responsabilidade que vai recair sobre Gomes Freire. (Fim do Primeiro Acto)

O general, juntamente com outros conspiradores, é executado na praça pública, em S. Julião da Barra.

A esposa do general, Matilde, e o seu grande amigo, Sousa Falcão, tentam por todos os meios ao seu alcance salvar Gomes Freire, pedindo ajuda a Beresford, aos populares, a D. Miguel e, por fim, a Principal Sousa, mas a morte de Gomes Freire de Andrade era um mal necessário às razões de estado.

Acto I / Acto II - Felizmente Há Luar

Acto I:
  • ruas de Lisboa (onde se encontram os populares)
  • local onde D. Miguel Forjaz recebe Vicente
  • palácio dos governadores do Reino, no Rossio
  • Referências a casa de Gomes Freire lá para os lados do Rato e espaços frequentados pelos revolucionários conspiradores – café no Cais do Sodré; Botequim do Marrare; loja maçónica na rua de São Bento.
Acto II:
  • ruas de Lisboa;
  • casa de Matilde de Melo;
  • à porta da casa de D. Miguel Forjaz;
  • Local onde Matilde fala com o Principal Sousa;
  • Alto da serra onde Matilde e Sousa Falcão observam as fogueiras que queimam os revolucionários;
  • Referências a masmorra de S. Julião da Barra, Campo de Santana para onde são levados os presos, aldeia onde Matilde cresceu, Paris, campos da Europa onde o General combateu.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A Didascália - Felizmente Há Luar

A peça é rica em referências concretas (sarcasmo, ironia, escárnio, indiferença, galhofa, adulação, desprezo, irritação – relacionadas com os opressores; tristeza, esperança, medo, desânimo – relacionadas com os oprimidos). As marcações são abundantes: tons de voz, movimentos, posições, cenários, gestos, vestuário, sons (tambores, silêncio, voz que fala antes de entrar no palco, sino que toca a rebate, murmúrio de vozes, toque duma campainha) e efeitos de luz (contraste entre a escuridão e a luz; os dois actos terminam em sombra). De realçar que a peça termina ao som de fanfarra (“Ouve-se ao longe uma fanfarronada que vai num crescendo de intensidade até cair o pano.”) em oposição à luz (“Desaparece o clarão da fogueira.”); no entanto, a escuridão não é total, porque “felizmente há luar”.

Linguagem e Estilo - Felizmente Há Luar

- Recursos estilísticos: enorme variedade (tomar espacial atenção à ironia)
- Funções da linguagem: apelativa (frase imperativa); informativa (frase declarativa); emotiva [frase exclamativa, reticências, anacoluto (frases interrompidas)]; metalinguística
- Marcas da linguagem e estilo: provérbios, expressões populares, frases sentenciosas
- Texto principal: As falas das personagens
- Texto secundário: as didascálias/indicações cénicas (têm um papel crucial na peça)

Espaço - Felizmente Há Luar

·    Espaço físico: a acção desenrola-se em diversos locais, exteriores e interiores, mas não há nas indicações cénicas referência a cenários diferentes
·   Espaço social: meio social em que estão inseridas as personagens, havendo vários espaços sociais, distinguindo-se uns dos outros pelo vestuário e pela linguagem das várias personagens

Os Símbolos - Felizmente Há Luar

- Saia verde: comprada em Paris, no Inverno, com o dinheiro da venda de duas medalhas. “Alegria no reencontro”; a saia é uma peça eminentemente feminina e o verde encontra-se ligada à esperança
 - Luz: vida, saúde e felicidade
- Noite: mal, castigo, morte
- Lua: simbolicamente, por estar privada de luz própria, na dependência do Sol e por atravessar fases, mudando de forma, representa: dependência, periocidade, renovação
- Luar: duas conotações: para os opressores, mais pessoas ficarão avisadas e para os oprimidos, mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade
- Fogueira: D. Miguel Forjaz – ensinamento ao povo; Matilde – a chama mantém-se viva e a liberdade há-de chegar
- Titulo: D. Miguel: salientando o efeito dissuasor das execuções, querendo que o castigo de Gomes Freire se torne num exemplo; representa as trevas e o obscurantismo; Matilde: na altura da execução são proferidas palavras de coragem e estímulo, para que o povo se revolte contra a tirania; representa a caminhada da sociedade em busca da liberdade.
- Moeda de 5 réis: símbolo de desrespeito que os mais poderosos mantinham para com o próximo, contrariando os mandamentos de Deus
- Tambores: símbolos da repressão.

Acção / Estrutura Externa e Interna


Acção
- A acção da peça está dividida em dois actos (estrutura externa), o primeiro com onze sequências e o segundo com treze (estrutura interna). No acto I decide-se a morte de Gomes Freire; no acto II põe-se em prática o plano do acto I.


Estrutura Externa
- Estrutura dual: «Peça em dois actos», a que correspondem momentos diferentes da evolução da acção dramática.
- No Acto I, é feita a apresentação da situação , mostrando-se o modo maquiavélico como o poder funciona, não olhando a meios para atingir os seus objectivos; enquanto que no Acto II, o espectador é conduzido para o campo do anti-poder e da resistência.
- Não apresenta qualquer divisão em cenas. Estas são sugeridas pela entrada e saída de personagens e pela luz.

 Estrutura Interna
- Não se trata de uma obra que respeite a forma clássica nem obedeça à regra das três unidades (de lugar, de tempo e de acção). No entanto, o esquema clássico está implícito (exposição, conflito, desenlace).
- A apresentação dos acontecimentos processa-se pela ordem natural e linear em que ocorrem, facilitando assim a sua compreensão.

Tempo Metafórico ou Tempo da Escrita ( séc:. XX - 1961 ) - Felizmente Há Luar

-Permanentemente presente (implícito)
-Época conturbada em 1961: guerra colonial angolana; greves; movimentos estudantis; pequenas “guerrilhas” internas; crescente aparecimento de movimentos de opinião organizados; oposição política
-Situação política, social e económica de desagrado geral
-Regime ditatorial salazarista: desigualdade muito grande entre ricos e pobres; povo reprimido e explorado; miséria, medo; analfabetismo e obscurantismo
-PIDE, “bufos”; censura; medidas de repressão/tortura e condenação sem provas
-Sttau Monteiro evoca situações e personagens do passado como pretexto para falar do presente
-Grande dualidade de conceitos entre os dois tempos: Gomes Freire é Humberto Delgado; os três governadores são o regime salazarista; Vicente e os delatores são os “bufos”; os homens de Beresford são a PIDE…


Tempo Histórico ou Tempo Real ( séc:. XIX - 1817 ) - Felizmente Há Luar

·       Invasões francesas (desde 1807): rei no Brasil
·       Ajuda pedida aos ingleses (Beresford)
·       Regime absolutista
·       Situação económica portuguesa má: dinheiro ia para a corte no Brasil
·       Regência, influenciada por Beresford (símbolo do poder britânico em Portugal)
·       Primeiros movimentos liberais (1817), com a conspiração abortada de Gomes Freire
·       25 de Maio de 1817 – prisão de Gomes Freire; 18 de Outubro de 1817 – enforcado, datas condensadas em dois dias na peça (tempo de acção dramática)
·       Governadores viam na revolução a destruição da estrutura tradicional do Reino e a supressão dos privilégios das classes favorecidas
·       O povo via na revolução a solução para a situação em que se encontrava
·       Revolução liberal de 1820
·       Implantação do liberalismo em 1834, com o acordo de Évora-Monte

Personagens - Governadores - Felizmente Há Luar

Representam o poder político e são o cérebro da conjura, que acusa Gomes Freire de traição ao país. Não querem perder o seu estatuto; são fracos, mesquinhos e vis; cada um simboliza um poder e diferentes interesses; desejam permanecer no poder a todo o custo.

-      Beresford
·       Representa o poder militar
·       Tem um sentimento de superioridade em relação aos portugueses e a Portugal
·       Ridiculariza o nosso povo, a vida do nosso país
·       Odeia Portugal
·       Está sempre a provocar o Principal Sousa
·       Não é melhor que aqueles que critica, mas é sincero ao dizer que está no poder só pelo seu cargo que lhe dá muito dinheiro
·       Tem medo de Gomes Freire (pode-lhe tirar o lugar)
·       Oportunista, severo, disciplinador, autoritário e mercenário
·       Bom militar, mas mau oficial

-      Principal Sousa
·       É demagogo e hipócrita
·       Não hesita em condenar inocentes
·       Representa o poder clerical/Igreja
·       Representa o poder da Igreja que interfere nos negócios do estado
·       Não segue a doutrina da Igreja para poder conservar a sua posição
·       Não tem argumentos para contestar Matilde
·       Tem problemas de consciência em condenar um inocente, mas não ousa intervir para não perder a sua posição confortável no governo
·       Fanático religioso
·       Corrompido pelo poder eclesiástico
·       Desonesto
·       Odeia os franceses
·       Defende o obscurantismo


-      D. Miguel Forjaz
·       Representa o poder político e a burguesia dominadora
·       Quer manter-se no poder pelo seu poder político-económico
·       Personifica Salazar
·       Prepotente, autoritário, calculista, servil, vingativo e frio
·       Corrompido pelo poder
·       Primo de Gomes Freire de Andrade


-  Gomes Freire de Andrade
·         Representa Humberto Delgado
·         Personagem virtual/central
·         Sempre presente nas palavras das outras personagens
·         Caracterizado pelo Antigo Soldado, por Manuel, por D. Miguel e por Beresford
·         Idolatrado pelo povo
·         Acredita na justiça e na luta pela liberdade
·         Soldado brilhante
·         Estrangeirado


Personagens - Delatores - Felizmente Há Luar

Representam os “bufos” do regime salazarista.

-      Vicente
·       É do povo, mas trai-o para subir na vida
·       Tem vergonha do seu nascimento, da sua condição social
·       Faz o que for preciso para ganhar um cargo na polícia
·       Demagogo, hipócrita, traidor, desleal e sarcástico
·       Falso humanitário
·       Intersseiro
·       Adulador do momento

-      Andrade Corvo e Morais Sarmento
·       Querem ganhar dinheiro a todo o custo
·       Funcionam como “bufos” também pelo medo que têm das consequências de estar contra o governo
·       Mesquinhos, oportunistas e hipócritas

Personagens - Povo - Felizmente Há Luar

-      Rita, Antigo Soldado, Populares
·       Personagem colectiva
·       Representa o analfabetismo e a miséria
·       Escravizado pela ignorância
·       Não tem liberdade
·       Desconfia dos poderosos
·       É impotente face à situação do país (não há eleições livres, etc.)

-       Manuel
·       Denuncia a opressão
·       Assume algum protagonismo por abrir os dois actos
·       Representa a impotência do povo

-      Matilde
·       Personagem principal do acto II
·       Companheira de todas as horas de Gomes Freire
·       Forte, persistente, corajosa, inteligente, apaixonada
·       Não desiste de lutar, defendendo sempre o marido
·       Põe de lado a auto-estima (suplica pela vida do marido)
·       Acusa o povo de cobardia, mas depois compreende-o
·       Personifica a dor das mães, irmãs, esposas dos presos políticos
·       Voz da consciência junto dos governadores (obriga-os a confrontarem-se com os seus actos)
·       Desmascara o Principal Sousa, que não segue os princípios da lei de Cristo


-      Sousa Falcão
·       Amigo de Gomes Freire e Matilde
·       Partilha das mesmas ideias de Gomes Freire, mas não teve a sua coragem
·       Auto-incrimina-se por isso
·       Medroso

                                                           

Condições Históricas dos anos 60 : denúncia da violência - Felizmente Há Luar

Século XIX – 1817
Século XX – anos 60
Agitação social que levou à revolta de 1820
Agitação social: conspirações internas; principal erupção da guerra colonial
Regime absolutista e tirano
Regime ditatorial salazarista
Classes hierarquizadas, dominantes, com medo de perder privilégios
Classes exploradas; desigualdade entre abastados e pobres
Povo oprimido e resignado
Povo reprimido e explorado
Miséria, medo, ignorância, obscurantismo mas “felizmente há luar”
Miséria, medo, analfabetismo, obscurantismo mas crença nas mudanças
Luta contra a opressão do regime
Luta contra o regime totalitário e ditatorial
Perseguições dos agentes de Beresford
Perseguições da PIDE
Denuncias de Vicente, Andrade Corvo e Morais Sarmento
Denuncias dos “bufos”
Censura à imprensa
Censura total
Repressão dos conspiradores; execução sumaria e pena de morte
Prisão; duras medidas de repressão e tortura; condenação sem provas
Execução de Gomes Freire
Execução de Humberto Delgado
Revolução de 1820
Revolução do 25 de Abril de 1974

Carácter Épico - Felizmente Há Luar

Felizmente há luar! é um drama narrativo, de carácter social e épico, que apela à reflexão, não só no quadro da representação, mas também na sociedade em que se insere.

Brecht pretende representar o mundo e o homem em constante evolução de acordo com as relações sociais. Estas características afastam-se da concepção do teatro aristotélico que pretendia despertar emoções, levando o publico a identificar-se com o herói. O teatro moderno tem como preocupação fundamental levar os espectadores a pensar, a reflectir sobre os acontecimentos passados e a tomar posição na sociedade em que se inserem. Surge, assim, a técnica do distanciamento que propõe um afastamento entre o actor e a personagem e entre o espectador e a história narrada, para que, de uma forma mais real e autêntica, possam fazer juízos de valor sobre o que se está a ser representado.

Desta forma, o teatro já não se destina a criar terror ou piedade, isto é, já não tem uma função purificadora, realizada através das emoções, tendo, então, uma capacidade crítica para quem o observa. Brecht pretendia substituir o “sentir” por “pensar”, levando o público a entender de forma clara a sua mensagem por meio de gestos, palavras, cenários, didascálicas e focos de luz.

Estes são, também, os objectivos de Sttau Monteiro, que evoca situações e personagens do passado (movimento liberal oitocentista), usando-as como pretexto para falar do presente (ditadura salazarista) e, assim, pôr em evidência a luta do ser humano contra a tirania, a opressão, a injustiça e todas as formas de perseguição.

Felizmente há Luar - Contextualização

A história desta peça passa-se na época da revolução francesa de 1789.

As invasões francesas levaram Portugal à indecisão entre os aliados e os franceses. Para evitar a rendição, D. João V foge para o Brasil. Depois da primeira invasão, a corte pede auxílio a Inglaterra para reorganizar o exército. Estes enviam-nos o general Beresford.

Luís de Sttau Monteiro denuncia a opressão vivida na época do regime salazarista, através desta época particular da história. Assim, o recurso à distanciação histórica e à descrição das injustiças praticadas no início do século XIX, permitiu-lhe, também, colocar em destaque as injustiças do seu tempo, o abuso de poder do Estado Novo e as ameaças da PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado), entre outras.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Bibliografia - Sttau Monteiro

Ficção: 1960, romance – O Homem não Chora
               1961, romance – Angústia para o Jantar
               1966, novela – E se for Rapariga Chama-se Custódia











Teatro: 1961 – Felizmente Há Luar
                 1963 – Todos os Anos, pela Primavera
                 1966 – Auto da Barca do Motor fora da Borda
                 1967 – A Guerra Santa
                 1967 – A Estátua
                 1968 – As Mãos de Abraão Zacut